quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Redução de Unidades de Conservação abre precedente perigoso


Sociedade civil e Ministério Público temem que uso de Medida Provisória pelo governo para mudar os limites de UCs abra caminho para novas reduções e questionam avaliação sobre a importância de terras desafetadas. Bancada ruralista prepara mobilização para restringir criação de áreas protegidas

O governo federal deu mais um sinal de que sua política de conservação não apenas está estagnada, mas corre o risco de retroceder. Na segunda-feira (15/8), a presidenta Dilma Rousseff colocou um sinal de interrogação sobre a estabilidade do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) ao redefinir os limites de três UCs por meio de uma Medida Provisória (MP), que precisa ser votada pelo Congresso em apenas quatro meses para tornar-se lei.
Ambientalistas, Ministério Público e técnicos do próprio governo avaliam que o precedente é perigoso porque abre caminho para banalizar a redução de áreas protegidas frente às pressões de grupos econômicos. Questionam ainda a avaliação da importância ambiental e biológica das terras desafetadas, mesmo que elas sejam pequenas em relação à área total das UCs atingidas.
Segundo informações do ISA, o Parque Nacional (Parna) da Amazônia (AM/PA), de 1,1 milhão ha, foi reduzido em 25 mil ha; o Parna do Mapinguari (AM/RO), com 1,7 milhão de ha, diminuiu 8,4 mil ha; e o Parna dos Campos Amazônicos (AM/RO/MT), com 873 mil ha, foi ampliado em 87 mil ha. A MP também autorizou a mineração na zona de amortecimento em torno das duas últimas UCs, respeitado o que for definido no licenciamento da atividade e nos planos de manejo das unidades.
“Nos três casos, ganhou o setor elétrico, ganharam os produtores rurais, que estavam com suas áreas sobrepostas a uma unidade, e ganhou a conservação, que teve sua área ampliada, ao mesmo tempo em que sua gestão foi simplificada a partir da redução de conflitos”, defende o presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Rômulo Mello. Ele reafirmou que negocia no governo a criação de uma grande UC de proteção integral na região de Maués, no oeste do Amazonas, como compensação.
“Minha percepção é de que [a MP] é inconstitucional”, afirmou à Folha de S. Paulo a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Ela chamou de “retrocesso” a medida.

Comunidade do projeto de assentamento Miritituba, na zona limítrofe do Parna da Amazônia.



Novas supressões de áreas estão previstas. Em maio, a reportagem do ISAantecipou que trechos de UCs serão desafetados para a construção de hidrelétricas na bacia do rio Tapajós, no sudoeste do Pará. Há sete usinas previstas para a região. Podem ser afetadas oito UCs e uma Terra Indígena (TI). O Parna da Amazônia deve perder pelo menos mais 15 mil hectares (Saiba mais).
Entre 2003 e 2006, a área total de UCs criadas pelo governo federal saltou de 53 mil ha para 11 milhões ha por ano. Depois disso, no entanto, o número caiu para 187 mil ha, em 2010.
Parna da Amazônia
A MP determinou que a área desafetada do Parna da Amazônia seja destinada a projetos de assentamento sustentável. Trata-se de um caldeirão de conflitos fundiários. Há mais de vinte anos, foi implantado um assentamento convencional, com incentivo do governo. Grileiros, fazendeiros e políticos foram adquirindo terras e expulsando os pequenos agricultores para a zona limítrofe ou o interior da UC. No total, existem hoje cerca de 500 famílias na área. Mesmo com a mudança no traçado do Parna, cerca de 70 permanecem em seu interior. (Veja o mapa abaixo e clique para ampliá-lo.)

"Tiramos de dentro do parque as áreas com ocupação agrícola. Com isso, reduzimos as dificuldades para sua implantação", argumenta Rômulo Mello. Ele diz que a medida apenas sacramenta um acordo feito com os ocupantes em 2006.
O acerto foi feito pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) quando o mosaico de UCs da zona de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) foi oficializado e o Parna foi ampliado em 100 mil hectares. Também foi ajustado que os invasores não fariam novos desmatamentos, o que não foi cumprido.
A região desafetada concentra a maioria dos desmates realizados no Parna e sua recuperação é considerada duvidosa. A redefinição de fronteiras também vai facilitar sua demarcação e sinalização porque agora elas serão indicadas pelo limite de rios.